Acordei com o cheiro de pão fresco da padaria do senhor Joaquim, papai
sempre compra pão fresco aos sábados, é o único dia em que ele não me obriga a
tomar aquela vitamina nojenta que ele insiste ser mais nutritiva.
O vovô já estava sentado na mesa lendo o jornal enquanto meu pai
terminava de passar o café em silêncio. Tem sido assim desde que minha mãe
morreu, somos só eu, meu pai e o vovô.
Não somos de falar muito, mas também não há muito o que ser dito. Depois
de tomar meu café da manhã eu corri para pegar a minha bicicleta e ir ao
encontro de Pedro, meu melhor amigo. _ Não chegue tarde hoje Miguel, amanhã irá
pescar cedo comigo. _ Papai me lembrou.
Eu tinha esquecido desse detalhe, as vezes aos domingos meu pai me leva
para pescar com ele, mas não são todos, só quando ele diz que a lua liberou,
nunca entendi isso muito bem. A maioria dos garotos ficaria feliz em ir pescar
com o pai, mas eu não, não quando cresci em uma vila de pescadores que tem a
pesca como profissão e não como lazer.
Passei pedalando o mais rápido que minhas pernas aguentavam pelas ruas, a
Ana, a menina mais inteligente da minha sala, estava na varando lendo alguma
coisa que parecia ter algum bicho na capa, nunca vou entender essa garota.
Eu e Pedro fomos brincar perto do rio, meu pai diz que não é muito seguro
ir lá, mas ele não estava me vendo.
_ O que vamos fazer hoje? _ Perguntei quando Pedro tirou um pote de vidro
da mochila.
_ Vamos caçar anelídeos. _ Pedro respondeu.
_ Ane... o que?
_ Anelídeos.
_ O que é isso?
_ São minhocas. Pelo menos foi o que a Ana me disse.
_ E desde quando você é amigo da Ana?
_ Não sou amigo dela, mas ela viu meu vidro de minhocas na mochila e
disse que ia contar para a professora Sara que eu tinha uma coleção de
anelídeos escondida na mochila.
_ E o que você fez?
_ Eu tive que prometer que não grudaria mais chiclete no cabelo dela. _
Ele riu e eu também.
Passamos o dia cavando a terra a procura de minhocas, nunca entendi muito
esse interesse de Pedro por bichos nojentos, desde que somos amigos ele já
colecionou moscas, besouros, aranhas, o que foi um verdadeiro desastre quando
uma delas fugiu e foi parar no quarto da irmãzinha dele, e agora esses tal de
anelídeos.
Pedro ainda tentou me explicar o que eram os anelídeos segundo o que ele
tinha pesquisado na internet, mas parei de prestar atenção depois que ele disse
que eram seres segmentados e alguma coisa sobre uma forma anelar...
Quando voltei para casa o sol já estava indo embora, meu pai não se
preocupava mais, ele sabia que aos sábados eu almoçava na casa do Pedro. A tia
Socorro tinha ótimos dotes culinários, era bem melhor a comida dela do que a do
papai.
_ Boa noite vovô! _ Eu disse. _ Onde está meu pai?
_ Preparando as redes.
_ A sim... dia de pesca amanhã. _ Eu disse desanimado.
_ Claro que sim, amanhã a maré vai estar ótima para a pesca.
_ Como o senhor pode saber o que acontecerá no dia de amanhã?
_ Olhe lá fora e me diga como está a lua. _ Vovô pediu.
Eu olhei e ela estava linda. _ É quase lua cheia.
_ Isso mesmo, é a melhor época para pescar e os tupinambás já sabiam
disso a muito tempo.
_ Como assim?
_ Eles se guiavam pelas fases da lua para pescar, mais tarde veio um tal
de Galileu e explicou o que os tupinambás já sabiam.
Meu avô sempre foi um homem de poucas palavras, mas quando ele resolvia
falar era certo que eu podia esperar uma boa história.
Estou amando prof!!!
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